Fidelidade às diretrizes do Tapa

Crítica da peça Contos de sedução, do Grupo Tapa

30 de agosto de 2011 Críticas
Foto: Marcelo Pacífico.

Espetáculo apresentado há 11 anos, Contos de sedução reúne algumas das características desenvolvidas pelo Grupo Tapa ao longo do tempo. Através dos seis contos de Guy de Maupassant, Eduardo Tolentino de Araújo reafirma o destaque ao texto, um dos nortes da companhia no decorrer de seus mais de 30 anos de trajetória. Também perpetua a investigação acerca do modo de funcionamento das classes sociais, em especial no que se refere à moral da aristocracia, dissecado em encenações anteriores. Propicia, dessa vez, uma reflexão acerca da eventual atualidade de códigos de conduta (ou da subversão deles) que datam da segunda metade do século XIX.

Cada um dos contos – adaptados por Jonathan Amacker, que tratou de entrelaçá-los com flashes de Maupassant no final da vida – evidencia facetas diversas das regras sociais, revistas em esfera privada. Em O sinal, uma baronesa burla a sua condição de mulher casada e atrai um desconhecido para dentro de casa com a cumplicidade da empregada. Em Fruto proibido, desponta o desejo de buscar uma via de escape para condutas morais rígidas através da determinação da mulher em levar o marido para um local frequentado por ele quando solteiro. Em Auxílio mútuo, dois imigrantes italianos, numa viagem de trem rumo a Marselha, travam um acordo de conotação erótica apenas para um deles. Em Na alcova, a esposa domina o marido ao perceber o fascínio que exerce sobre ele, antes soberano no acordo de liberdade conjugal.

Os contos de Maupassant evidenciam a postura ativa de personagens femininas, mesmo quando ameaçam retomar um modelo de relacionamento que não as favorece, como em A vingança. Os textos contêm divertidos comentários comportamentais, a exemplo da cena em que um garçom ensina o outro a servir champanhe. Ao entremear os contos com os últimos e delirantes lampejos de Maupassant, Jonathan Amacker explicita possíveis pontos de conexão entre o escritor e a sua obra. Destaca ainda um retrato transitório de Maupassant, mais lascivo nos primeiros contos que compõem a encenação do que nos finais, um pouco mais discretos e, até certo ponto, melancólicos. Uma transição aproveitada por Eduardo Tolentino de Araújo para experimentar diferentes gêneros no decorrer do espetáculo.

Contos de sedução foi mostrado, durante a temporada carioca, no espaço aberto da arena, tomado por uma sucessão de belos tapetes e mobiliário reduzido que sugerem uma atmosfera refinada e algo austera (cenografia de Lola Tolentino). O diretor localiza cada conto em diferentes pontos do espaço, demarcados através do deslocamento de objetos e da iluminação (de Nelson Ferreira). Zecarlos Machado, Fernanda Viacava, Brian Penido Ross e, em escala mais discreta, Isabella Lemos aderem a um registro frequentemente expansivo com marcante predomínio do exercício do humor.

Daniel Schenker é doutorando em Artes Cênicas pela UniRio e crítico de teatro do Jornal do Commercio e da revista Isto É/Gente.

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