Diálogos sobre formação universitária em Teatro

Conversa com alunos formandos de universidades de Teatro do Rio de Janeiro

27 de maio de 2015 Conversas
Foto: Raphael Cassou.
Foto: Raphael Cassou.

Vol. VIII nº64, maio de 2015.

Resumo: A conversa, realizada em março de 2015 aborda visões pessoais relacionadas à formação universitária e à experiência profissional fora do ambiente acadêmico.

Palavras-chave: Prêmio Yan Michalski, montagem de formatura, academia, universidade.

Abstract: The interviews which took place in March 2015 debate personal points of view about university education and professional experience out of the academic environment.

Keywords: Yan Michalski Awards, final presentation, academia, university.

 

Sempre que vou assistir a uma peça de formatura para o Prêmio Yan Michalski, sinto um frio na barriga de atriz estreante. Imagino como estão os atores, os diretores, os que se formam ali, e o que ocorre com a vida artística a partir desse rito de passagem rumo à realidade do mercado de trabalho. Deparar-se com os desafios do longo caminho da profissão é o que os espera, e o início disso se concretiza na montagem de formatura.

É muito instigante assistir a peças de formatura, sobretudo quando percebemos que elas são o resultado de algo maior que o último período de um aluno ou a pressa de ter o canudo nas mãos; quando são, enfim, o conjunto do aprendizado e das experiências vividas nos semestres anteriores, além da chance derradeira de testar suas habilidades com grande margem de erro, sem que isso os leve ao descrédito. Salta aos olhos, principalmente, as provocações que os formandos permitem fazer a si mesmos, às formas artísticas e à estética, atingindo os limites da criação quando se propõem a uma colaboração coletiva, por exemplo. Ou ainda quando, diante do excesso de proposições artísticas e da recorrente falta de subsídios financeiros, optam por um espaço cênico alternativo, esbarrando em questões burocráticas para a utilização do mesmo.

As perguntas dessa entrevista foram baseadas não apenas nas minhas impressões como jurada ou espectadora, mas também como aluna formada em Teoria do Teatro pela UNIRIO e colaboradora em algumas práticas encenadas na faculdade. Por acompanhar alguns processos (como teórica) e participar (como atriz) de montagens dentro da universidade, pude perceber de muito perto as motivações, os esforços e as reais condições de estrutura artística e física do edifício universitário, de aprendizado e experiência desses alunos.

Justamente por já ter estado do outro lado, tenho a chance de assistir às montagens de formatura das escolas de teatro do Rio de Janeiro com um olhar mais apurado e mais gentil no que diz respeito às escolhas artísticas dos alunos formandos, sejam eles diretores, atores, cenógrafos, figurinistas ou iluminadores. Acredito que até mesmo os empecilhos, que limitam certas escolhas, podem trazer à tona soluções tão boas — ou melhores, na maioria das vezes — quanto no caso de haver condições supostamente perfeitas para realização do projeto final de formação desses alunos. Decerto que a distância do meio acadêmico e da socialização diária com os formandos possibilita uma visão mais clara da produção e do exercício artístico da universidade, diferentemente de quando estamos inseridos nesse universo. Embora as perguntas sejam de cunho bastante pessoal, sendo apenas uma pequena parte delas acerca de questões latentes da trajetória universidade – mercado de trabalho, acredito que obtive respostas esclarecedoras em relação à visão do meio acadêmico e às perspectivas de um futuro cultural consciente desses quatro entrevistados: Luiza Rangel e Davi Palmeira, diretora indicada e ator premiado no 2º Prêmio Yan Michalski, em 2015, ambos em período de conclusão de curso na UFRJ; e Victor Brennand e Elis Negrão, formados pela UNIRIO, o primeiro premiado na categoria de diretor, e a última indicada como atriz, na no 1º Prêmio Yan Michalski em 2014.

 

Luiza Rangel, diretora indicada pela peça Rinocerontes, UFRJ, 2014

Andrea Santiago: O que te fez prestar vestibular para o curso de Direção Teatral da UFRJ? Você tinha outra opção ou estava certa disso?

Luiza Rangel: Naquele ano (final de 2009) também pensava em prestar vestibular para Direito, mas optei pelas artes cênicas. O objetivo principal foi aprofundar meu contato com teoria e prática teatral, estudar diferentes abordagens e metodologias do processo criativo no teatro.

Andrea: O curso de direção da UFRJ tem muitos alunos atores ou que cursam interpretação. É o seu caso, pois já vi uma montagem com você em cena como atriz. Como é ser dirigido por um colega de curso?

Luiza: Sim, eu já estudava interpretação antes. No curso de Direção é comum nos envolvermos em montagens dos colegas. Estar “dentro” do processo de outros espetáculos sempre me instigou. Quando tive oportunidade, procurei observar atentamente todas as camadas, a atmosfera da sala de ensaio, os jogos, as relações, a metodologia de trabalho. Uma atriz que bica e que olha. A partir daí, pude repensar o modo como conduziria meus próprios processos de direção. Foi enriquecedor. Ao acompanhar o desenvolvimento de meus colegas, também cresci. As salas de ensaio foram espaço de troca, de diálogos mais horizontais. Crescemos com nossas divergências e discordâncias, colocando risco e resistência como parte estrutural do nosso fazer.

Andrea: O que você acha dessa tendência de processo colaborativo dentro da universidade? A UFRJ tem muitos grupos que trabalham dessa maneira e acabam saindo da peça de formatura para temporadas no circuito carioca. Você acha que isso é uma maneira de se desvincular da universidade, a opção por não montar textos tradicionais, ou apenas uma opção de trabalho?

Luiza: Considero o processo colaborativo uma ferramenta de trabalho bastante potente. Bom, é uma opção sim. Vai depender do que está interessando ao aluno-diretor naquele momento. O que o processo colaborativo apontou, dos anos 90 para cá, continua sendo fundamental para repensarmos modos de criação e produção. Montar um texto “pronto” é considerado um fator que impede a continuidade do trabalho fora da faculdade; e isso tem mais a ver com direitos autorais do que com o “desvincular” da universidade. Esta é uma questão complexa, inclusive. No entanto, para além do texto escrito, a colaboração pode estar presente na dramaturgia da cena, no pensamento estético, ético e político da montagem. Todas essas camadas sendo tecidas juntas, pelo ator, pelo diretor, dramaturgo, cenógrafo, figurinista, compositor… E aí, falando da escrita, o dramaturgo assina um texto que foi construído em diálogo com a cena, contaminado por outros integrantes, hibridismo que se reflete em cena. Este tipo de processo vem movimentando o pensamento sobre a produção dramatúrgica no Brasil há algum tempo. Torço para que seja encarado de forma séria nas universidades e haja mais conquistas em relação ao registro dos textos.

Andrea: Como é para você se formar em Direção Teatral e ser indicada ao Prêmio?

Luiza: Estou muito agradecida, porque sei que há uma proposta crítica sendo apontada pelo Prêmio. Tenho testemunhando toda a reflexão gerada por esta iniciativa. O fazer teatral na universidade — no meu caso, pública — é por vezes cruel. A luta é árdua e ainda há um caminho longo a ser trilhado. Parabenizo a ousadia da Questão de Crítica em fomentar o pensamento sobre formação no teatro.

 

Davi Palmeira, ator indicado pela peça Rinocerontes, UFRJ, 2014

Andrea: Davi, você é aluno do curso de Direção Teatral na UFRJ, mas está indicado na categoria Ator pela peça Rinocerontes. Vou repetir uma pergunta que fiz à sua diretora, Luiza Rangel: como é ser dirigido como ator em cena? Você consegue deixar o olhar de diretor de lado e pensar apenas como ator, ou fica dividido pelas impressões? Ser ator ajuda ou dificulta nessas horas?

Davi Palmeira: Acho que só acrescenta. Percebo o processo teatral como uma troca e esta só pode se dar através da relação entre sujeitos. Como ator, como diretor ou ocupando qualquer outra função, entendo o processo de construção de um espetáculo como um espaço de proposição. O diálogo como grande potência da sala de ensaio. As pessoas estão ali para somar, mesmo que haja níveis distintos de função. Apesar disso, acho importante entender o meu lugar em cada projeto. Em Rinocerontes sou ator e já é muita coisa para dar conta. Óbvio que sempre surgem olhares e impressões sobre a cena e, nesse caso, a Luiza sempre foi muito aberta ao diálogo e à troca.

Andrea: O seu critério de escolha para dirigir um texto é o mesmo de quando você está no projeto como ator? Ou você é motivado pelo afeto ao texto? Ou pela equipe da peça?

Davi: Sou movido pela paixão. O texto a ser montado precisa me afetar de alguma maneira. Depois disso penso se tenho algo a contribuir com ele, se vai me desafiar e me mover em sala de ensaio e fora dela. É preciso afetar e ser afetado. Sem isso, para mim, não há teatro. O mesmo acontece quando decido integrar um projeto na função de ator. A equipe envolvida — em ambas escolhas — conta muito. Teatro é organismo vivo, pulsante; com nervos, moléculas, veias. Tudo isso somado a disponibilidade, pensamento, diálogo, poesia. Ali, no momento da criação, estamos expostos, desnudos. É preciso ter confiança para compartilhar, fracassar, duvidar, errar, descobrir.

Andrea: Embora a UFRJ tenha aulas de interpretação para alunos-diretores, a escola não forma atores, mas diretores. Você acha fundamental que todo diretor tenha que ter a experiência de atuar / estar em cena para ser um bom diretor?

Davi: Nunca soube o que é dirigir não sendo ator. Portanto, para o meu fazer teatral, é crucial ter a experiência dos palcos para me fazer propor e entender os processos e mecanismos dos meus atores em sala de ensaio. Existem infinitas formas de se fazer, essa é a minha. Tenho pensado muito sobre a formação na UFRJ e cheguei à conclusão de que, apesar do título, é um curso que forma não só diretores teatrais, mas profissionais de teatro. O contato com todas as funções do ofício teatral permite que o diretor alcance um olhar mais amplo e completo sobre a obra.

Andrea: O que é para você essa indicação ao Prêmio Yan Michalski?

Davi: Escolher a carreira teatral é lidar com o impossível. Com o impalpável. Parece-me ainda mais difícil sair do conforto da vida familiar, mudar de cidade e enfrentar o novo. Pois então, são cinco anos nessa cidade, colecionando tentativas, erros, acertos, encontros, descobertas. Estar indicado a um prêmio me parece uma resposta a isso tudo. Um indício. Acho relevante e necessária a iniciativa do Prêmio Yan Michalski, por se tratar de um projeto que privilegia e fomenta a produção universitária da cidade, por vezes tão desvalorizada. O que se desenvolve dentro da universidade hoje, entre pesquisas e espetáculos, precisa ser explorado fora das fronteiras acadêmicas. O que o prêmio possibilita é uma valorização e uma visibilidade para esse tipo de produto, não encontradas em outros lugares.

 

Victor Brennand, diretor indicado pela peça As Criadas, UNIRIO, 2013

Andrea: O que te fez prestar vestibular para o curso de Direção da UNIRIO? Você tinha outra opção ou estava certo disso?

Victor Brennand: Vivi nos Estados Unidos durante toda a minha adolescência e isso foi fundamental nessa decisão. Foi na escola americana que comecei a fazer teatro, e posso dizer que totalmente por acaso. Todo aluno por lá é impulsionado a se envolver em alguma atividade extracurricular, seja em algum esporte, ou em alguma aula de música, artes plásticas ou teatro. Passei por todas essas opções até que aceitei participar de uma aula de teatro e me encantei. Eu tinha 15 anos de idade e desde então já era certo que eu iria estudar teatro e fazer dele a minha profissão. Na escola, tínhamos aula de interpretação, direção, produção, cenografia, etc.; tudo ao mesmo tempo. Eu não tinha muita ideia do que eu realmente gostava ou queria fazer no teatro. Eu não sabia se tinha mais aptidão para atuar, dirigir ou criar cenários. Foi quando retornei ao Brasil e me deparei com a diversidade do nosso teatro, que é plural, fala todas as línguas e não segue nenhum manual. Lembro de quando assisti a um espetáculo de rua no centro do Rio de Janeiro e fiquei muito curioso para saber como aquilo tudo tinha nascido, por onde aqueles atores tinham passado, que artimanhas estavam usando em cena. A curiosidade sobre a criação era maior que a vontade de estar dentro daquela cena como ator. Nesse momento optei por estudar direção.

Prestei meu único vestibular na UNIRIO para Interpretação Teatral, mas sabendo que meu objetivo ali era cursar Direção Teatral (quando ingressei, em 2007, o curso de Direção Teatral era apenas por transferência interna, não havia uma prova aberta aos vestibulandos). Esperei cinco semestres e fiz a prova de transferência de curso. Eu estava certo de que era direção teatral o que eu queria estudar. Eu estava mais certo ainda de que teria que ser na UNIRIO. E ainda bem que foi. Foi na UNIRIO que fiz grandes parcerias na vida e no teatro.

Andrea: Você é ator também? Isso influencia na sua forma de ler o texto e pensar um pouco como ator quando está dirigindo?

Victor: Não me considero ator. Considero-me um diretor que brinca de atuar de vez em quando. Eu respeito muito o palco e a arte de estar no palco enquanto ator. Ser ator não é brincadeira. É preciso vocação, disposição, e muito fôlego. Acho que ator é aquele ser que se sente completo, realizado, vivo dentro da cena e diante do seu público. Eu sempre tive mais prazer na sala de ensaio do que no palco.

O diretor tem papel determinante no trabalho do ator, e vice-versa. Sendo assim, a relação de troca artística e criativa entre ambos no processo de desenvolvimento do trabalho no teatro é de vital importância. É essa troca entre ator e diretor que dará sustentação a todo o trabalho. Domingos Oliveira tem uma frase ótima: “Todo bom diretor tem que saber o que o ator sente quando passa por esse processo frágil de tentar imaginar ser aquilo que não é.” Acredito que por eu ter atuado desde a adolescência e, sobretudo, ter cursado Interpretação Teatral, tudo isso contribuiu para a minha formação de diretor e ainda faz com que eu me aproxime dos atores para criar junto com eles. É importante olhar a cena pela perspectiva do ator para se comunicar com ele. Eu gosto de compartilhar, ouvir, entender a motivação de cada um dos meus atores, o que os movem como artistas, saber de onde eles vêm, para onde querem ir; o que pensam do Teatro, o que desejam da peça, da cena, do texto. Cabe a mim, enquanto diretor, unir esses clamores, berros e sussurros (cada ator reage de um jeito) em uma só voz, um só corpo, e escolher um caminho capaz de comunicar algo relevante e coerente. Não é tarefa fácil. É preciso equilíbrio, sensatez e paciência para apoiar e estimular os atores, promover o diálogo entre toda uma equipe de criação, saber lidar com a falta de dinheiro, de estabilidade, etc. Eu mesmo já me perguntei se estou preparado, se não preciso amadurecer mais, viver mais, para poder enfrentar a direção de uma peça. Não sei. O que eu sei é que só vou me preparar fazendo, vivendo isso, compartilhando mais e mais.

Andrea: Durante o curso de Direção na UNIRIO, além das “pratiquinhas” e das práticas finais para a conclusão de curso, as matérias teóricas fazem parte da grade curricular. Para a maioria das montagens é necessário – ou aconselhável – que se tenha, também, a participação de um aluno do curso de Teoria do Teatro para acompanhar os ensaios e o processo de montagem. Quão elucidante foi ter disciplinas teóricas na sua formação?

Victor: Sem a menor sombra de dúvida as disciplinas teóricas da UNIRIO foram fundamentais na minha formação. E sobre as parcerias teóricas nas minhas montagens só tenho coisas boas a dizer. Não sei dizer se foi sorte ou destino. Acaso, puro acaso, não foi. Até porque não acredito em acasos, mas isso é outro papo. Primeiramente, eu me permiti ter um parceiro teórico, eu me abri para essa possibilidade e diálogo. E quando a gente se permite as coisas fluem. Muitos outros colegas de curso não conseguiram, ou optaram por não ter. Cada qual com seus motivos e circunstâncias. A minha primeira parceira foi a aluna Socorro Bezerra com a montagem de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, um ano inteiro de trabalho e descobertas. O diretor é um ser solitário. Ele é o ponto de apoio, resgate, estímulo e direcionamento aos seus atores e toda sua equipe. Se o diretor fica desorientado, perdido, sem direção, a quem ele recorre? Além do professor orientador, eu recorria à Socorro para pedir “socorro”. Ela ocupou as mais diversas funções, desde pesquisadora a assistente de direção, uma presença fundamental no processo de laboratório (pesquisa) e no levantamento / criação da peça. Já com a minha última montagem (As Criadas, de Jean Genet) encontrei na aluna Roberta Brisson outra grande parceira. De início, ela ficaria responsável, junto com outros alunos teóricos, pela tradução e adaptação do texto para a montagem. Mas ela foi além. Não apenas frequentava os ensaios para saber do andamento e poder adaptar com mais eficiência o texto, como também passou a orientar e preparar as atrizes antes, durante e após os ensaios. Em ambas as montagens foi muito importante a participação das duas e posso dizer que estou ansioso para voltar a trabalhar com elas.

Andrea: Victor, você está morando na França há algum tempo. Deve existir uma diferença grande entre as nossas produções e as europeias. O que te chama mais atenção no cenário teatral artístico daí?

Victor: O teatro faz parte da cultura e do cotidiano europeu. Diferente do Brasil, o teatro nas bandas de cá é tão essencial como beber água. Não é de se espantar ver um teatro lotado de pessoas em plena terça-feira, seja em Paris, Berlim ou Madrid. E tem “de um tudo”. Aqui em Paris temos a possibilidade de assistir a espetáculos desde a clássica Comédie Française, passando pelos renomados Ariane Mnouchkine e Peter Brook, até a atual nova geração de diretores, dramaturgos e companhias teatrais amadoras que existem nas periferias parisienses ou, até mesmo, no interior da França. Tem espaço para todo mundo em todo lugar. Do mais tradicional ao mais revolucionário em termos de cena, concepção ou dramaturgia. E, principalmente, há na França um público bastante diverso e interessado (habituado) ao fazer teatral. É isso o que movimenta a cena teatral francesa, faz a roda girar e a gerigonça funcionar. Essa relação público-teatro nasce nos primórdios, na infância, é algo incentivado pelos pais em quase todas as crianças. Eu mesmo tenho um amigo parisiense que é formado em química, trabalha criando perfumes, mas que assiste, lê e estuda teatro por hobby, por prazer, sem pretender ser diretor, ator ou pesquisador, apenas um eterno apaixonado. Outra coisa que me chama atenção é a quantidade de festivais de teatro espalhados por toda França e Europa, uma tradição que acontece desde o surgimento do festival de Avignon.

Andrea: A indicação de melhor diretor na primeira edição do Prêmio superou suas expectativas?

VICTOR: Retomando um pouco a última pergunta, aqui na Europa os jovens fazedores de teatro, sejam eles amadores, universitários, não importa, todos têm seus trabalhos reconhecidos e inseridos no “mercado”, conseguem se expor com dignidade. Por isso, achei maravilhosa a iniciativa desse prêmio para o teatro e estudantes em formação na cidade do Rio de Janeiro. Vocês estão colocando em evidência um grupo específico de artistas que, na maioria das vezes, se perde ou desiste da cena teatral carioca por falta de estímulo, visibilidade e oportunidade de mostrar seus trabalhos e experiências artísticas. Foi muito gratificante ser indicado ao 1º Prêmio Yan Michalski exatamente no ano em que estava concluindo meu curso superior. Eu estava repleto de receios e dúvidas, mas disposto a continuar fazendo e vivendo de teatro. E ganhar o prêmio pela direção superou todas as expectativas, foi o impulso de que eu precisava. Eu divido esse prêmio com as duas atrizes, Elis Negrão e Julia Couto, que se entregaram intensamente para a criação dessa peça. Doces criaturas! Excelentes criadoras!

Elis Negrão, atriz indicada pela peça As Criadas, UNIRIO, 2013

Andrea: Você já atuava como atriz antes de entrar para a UNIRIO? Se sim, como acha que a universidade influenciou na sua presença em cena?

Elis: Sim. Antes de me formar na UNIRIO, eu cursei a Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena. Acredito que a minha carreira tenha se iniciado profissionalmente após a Martins Pena, apesar de, antes disso, ter cursado poucas oficinas e ter participado de um ou outro espetáculo. A UNIRIO foi de extrema importância para o meu trabalho. Ela me deu um empurrão e foi lá que mergulhei ainda mais fundo. Eu a vejo como uma extensão de tudo o que aprendi na Martins Pena. O ambiente acadêmico me fez amadurecer como artista e preencheu algumas lacunas que minha inexperiência e juventude ainda tinham deixado em aberto. Ainda há muitas lacunas a serem preenchidas, pois, como artista, eu me vejo em constante formação.

Andrea: Como aluna de interpretação, como vê a integração e a influência dos outros cursos como direção, cenografia e teoria do teatro na formação do ator na universidade?

Elis: Vejo não só como uma oportunidade de abraçar artistas de áreas distintas, mas também como uma possibilidade de o artista se tornar mais completo e criar um ambiente de troca. Acho interessantes as pontes que podemos criar através dessa integração, gerando até mesmo oportunidades de trabalho, como a criação de grupos de pesquisa teatral e afins.

Andrea: Você acha que a visão artística, o pensamento e a prática teatral dentro dos muros da universidade condizem com a realidade do mercado de trabalho?

Elis: Acho que varia bastante. Há quem entre na universidade sonhando com uma carreira sólida e sucesso profissional, mas também há quem entre com pé no chão e bastante disposição para o trabalho. Acho que depende um pouco da experiência de cada um, anterior à universidade. Eu, por exemplo, já entrei sabendo dos percalços. Meu momento de criar expectativas e sonhos mirabolantes foi durante minha primeira formação. Porém, acredito que o importante é não desistir e persistir sempre.

A realidade é que temos um mercado extremamente competitivo, com artistas muito bons e cada vez mais preparados e completos que cantam, dançam e por aí vai! Vejo trabalhos experimentais de muito bom gosto dentro da universidade, porém poucos se destacariam / sobreviveriam em meio a um mercado cruel, competitivo e altamente comercial. A verdade é que há muito trabalho de bom gosto que é criado para a classe. Vejo muita gente presa a um academicismo que, por vezes, torna a linguagem proposta hermética demais e não define exatamente aonde quer chegar e qual tipo de público pretende atingir – ainda que a universidade seja esse espaço para experimentar e produzir. Pouca gente ou público leigo quer pagar para ver (literalmente) e aí é onde a universidade entra em conflito com boa parte do que está disponível no mercado. É bom acrescentar uma coisa que ouvi de um professor e levei para a vida: é formando um grupo que temos muito mais força no mercado do que sozinhos, independentemente do trabalho que pretendamos propor / produzir.

ANDREA: Elis, você foi indicada na categoria atriz na primeira edição do Prêmio Yan Michalski, em 2014…

ELIS: Eu me sinto lisonjeada por ter feito parte de uma iniciativa tão bacana. Vejo como uma maneira de estimular o aluno / artista a querer aprimorar cada vez mais o seu trabalho. Afinal de contas, é uma oportunidade de ter seu trabalho reconhecido. Além da sensação de plenitude ao saber que o melhor que podia ser feito, foi feito. Só tenho a agradecer ao prêmio Yan pela oportunidade de ter feito parte de um momento tão importante: sua primeira edição.

Referências bibliográficas:

GENET, Jean. As Criadas. Porto Alegre: Editora Deriva, 2008.

IONESCO, Eugène. O Rinoceronte. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2012

Andrea Santiago é bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO e atriz formada pela CAL.

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