Um inconsciente preso ao passado

Crítica da peça Valsa Nº 6, dirigida por Claudio Torres Gonzaga

24 de novembro de 2012 Críticas
Foto: Divulgação.

A primeira visão da cena identifica um quadro onírico em que objetos empilhados tais como cadeiras, mesas, uma cômoda, teclas de piano suspensas e outros se amalgamam com o Espaço Tom Jobim – Galpão. Os objetos parecem retidos. Concretização plástica perceptual de Sônia, menina morta aos 15 anos que recompõe a trajetória de sua vida por meio de fragmentos de memória – personagem de Valsa Nº 6, único monólogo escrito por Nelson Rodrigues. Esta motivação material é a expressão com a qual a direção de Claudio Torres Gonzaga marca a encenação como forte elemento de teatralidade. É visível na cenografia de Sérgio Marimba o desejo de mimetismo da personagem, ou por outra, sua indelével condição de prisioneira do passado – coerência sustentada pela composição dramática que nos propõe um modo de conhecimento da personagem do clássico texto rodriguiano.

A personagem é violentamente assassinada enquanto toca a Valsa Nº 6 de Chopin. A memória da menina fica paralisada na obsessão pela valsa, a qual é destinada a tocar ao piano na eternidade ficcional. A excelente trilha sonora de Tomás Gonzaga se dá como os fragmentos de memória da personagem desvendando os acontecimentos de seu passado. A singularidade da direção materializou esteticamente o mote da prisão.

A atriz Luisa Thiré constrói sua Sônia com proveito do trânsito entre as diferentes figuras, expondo uma atuação sensível e sem cair nas armadilhas de exageros. A situação fronteiriça da personagem adolescente é a própria condição de sua tragicidade, que se dá em confronto com a solidez de uma imaginada e criticada classe média. Estes espaços fronteiriços aparecem na atuação e seu modo mais extremo, ou seja, os momentos em que o limiar alucinatório se instaura, surgem por meio do desenho de movimento de Kika Freire como reverberações corporais de acordes musicas – reverberação física do toque nas teclas do piano. É como se a recusa à classe média surgisse no corpo que deseja se prolongar, sair daquele espaço e, ao mesmo tempo, esse corpo mostrasse suas próprias amarras. Não deixa de ser uma espécie de materialização do fluxo inconsciente do discurso.

O figurino criado por Teca Fichinski é uma bela transfiguração do inconsciente que se prende ao passado e possibilita o aparecimento de uma condição de selvageria. É como se a personagem fosse um animal que, não tendo saída para sua domesticação forçada, tem seu ponto de fuga delimitado. A cor clara do figurino ainda nos remete à inocência, ou às frágeis possibilidades de rebelião frente ao social que constrange Sônia e que a levou à morte.

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