A complexidade do improviso posta à prova

Crítica da peça Tá e aí?

20 de abril de 2009 Críticas

De Porto Alegre

No espetáculo Tá e aí? da companhia gaúcha Clube da Patifaria, logo no início, a relação palco e platéia se estabelece e começam os jogos. Cabe ao espectador determinar aspectos da cena, como por exemplo: o lugar. Para quem fez práticas teatrais esta proposta não é nova, mas, a maneira como vai se apresentando impressiona. Exatamente por reconhecê-las, é possível saber o grau de complexidade de algo que parece banal. Afinal, improvisar é uma das premissas de quem faz teatro, mas, como exercício, testa o ator. Rapidez no raciocínio, disponibilidade, coragem de encarar cada desafio. A exposição do ator ao inusitado induz ao riso.

O projeto começou no final de 2008, quando o grupo, formado por Eduardo Mendonça, Ian Ramil, Leonardo Barison, Rafael Pimenta e Vicente Vargas se reuniu para a pesquisa do tema. O formato, que já vem sendo utilizado por outros grupos (como o Comedy Sportz nos Estados Unidos e Jogando no Quintal no Brasil), passou pelo seu primeiro teste em fevereiro, durante o Porto Verão Alegre.  

A peça não tem diretor. Júlio Conte, chamado de mediador, pede à platéia temas, textos ou condições que poderão interferir na cena. Improvisando, eles revivem a tradição do teatro desde os tempos da Comédia Dell’arte até a criação coletiva dos anos 80 de forma instigante e divertida. Na maior parte das vezes, ele cria situações que os atores desconhecem e mesmo quando se trata de propostas que eles já sabem, como o público nunca é o mesmo, sem dúvida, sempre há espaço para surpresas. Conte também opera o som, o que lhe permite criar na hora uma trilha sonora para a cena. Para o diretor de um dos espetáculos mais bem sucedidos do Rio Grande do Sul, o estilo não é novidade. Bailei na curva, baseado nas improvisações dos atores, foi encenada pela primeira vez em 1983, obteve grande aceitação do público e da crítica e é montada, até hoje, com novos elencos. A peça mostra a trajetória de sete crianças, vizinhas da mesma rua na cidade de Porto Alegre, durante três décadas. Tem como pano de fundo os fatos políticos a partir do golpe militar de abril de 1964 até o movimento das Diretas Já, em 1984.

Tá e aí faz com que o público entre em contato com um jeito de brincar com a realidade, jogar com as palavras e ir além delas. O resultado faz pensar: não é exatamente isso o teatro? Augusto Boal há muito tempo faz isso com suas propostas do teatro fórum e teatro do invisível. Reconhecido internacionalmente, foi um dos primeiros dramaturgos a propor “transformar o espectador, ser passivo e depositário, em protagonista da ação dramática”. Para ele, o teatro se definia pela existência simultânea dentro do mesmo espaço e do mesmo contexto de espectadores e atores. Seu método teatral, chamado Teatro do Oprimido ganhou o mundo com jogos e técnicas cujo objetivo era a democratização dos meios de produção teatrais.

Mas, espetáculos que contam com a interação da platéia nem sempre agradam. No entanto, em Tá e aí? não há coerção. Participa quem, realmente, quer. Além disso, mesmo que quase tudo seja realizado nos moldes das propostas para os estudantes de teatro, não estamos falando de algo para principiantes. Quem está começando não tem o tempo certo de movimentação em cena como Rafael Pimenta, nem o jogo cênico de Eduardo Mendonça e de Leonardo Barison. Isso sem falar nas convidadas para a apresentação do dia 31/03 Ingra Liberato e Juliana Brondane. 

As propostas cênicas deste dia, certamente, vão ser retomadas nas próximas apresentações. No entanto, a idéia de que o público nunca verá novamente uma apresentação provoca ainda mais. Conte afirma: “Tá e aí? celebra o momento e transmite o passageiro.” Em épocas tão narcisistas, parece ainda mais importante um teatro onde os atores não tenham preocupações com a permanência e que, por isso mesmo, possa ser eterno, se não historicamente, na memória de quem assiste.

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A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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