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Pois qual é o valor de todo nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?

Walter Benjamim. Experiência e pobreza

O reino do mar sem fim oferece uma possibilidade de confronto entre o olhar que se dirige para a cultura popular e nossas formas de apreensão contemporâneas. Acredito nisso, porque uma arte intercultural precisa criar também um olhar intercultural e não um olhar de valorização da tradição que privilegia os modos de produção do contexto central. Patrice Pavis nos oferece a possibilidade de inventar uma “nova disciplina” que possa descrever e analisar os objetos. Essa possibilidade existe, no caso de Mar sem fim, porque sua construção partiu de uma inspiração que a diretora e pesquisadora Adriana Schneider se refere como uma epifania. Schneider, em um determinado momento, ao longo de 14 anos de trabalho de pesquisa na Zona da Mata de Pernambuco, se deparou com um mamulengueiro, Severino da Cocada que, realizando um corte na tentativa de direcionamento que ela dava à conversa, abriu uma velha caderneta em uma página em branco e adotando uma postura “épica (…) pôs-se a cantar o romance Reino do mar sem fim”. Qualquer linha discursiva que Schneider procurasse dar àquele encontro foi interrompida pelo fragmento dito e impregnou a pesquisa de um desejo expresso pela sensação de inconclusão. Tempos depois, ao acaso, ela encontrou o folheto de cordel, O romance da princesa do mar sem fim de Severino Borges da Silva, em um sebo – condição de colisão aleatória. A literatura de cordel tem a característica de se originar na oralidade, percorre o caminho entre a fala e a escritura, entre o evento, o improviso e um momento de elaboração.