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Instabilidades na recepção crítica ao teatro de pesquisa
Correlacionamos aspectos pontuais da historiografia da crítica teatral para perceber a atividade aos olhos da cena contemporânea irradiada da cidade de São Paulo, onde atuamos no jornalismo cultural. Gradações humanistas, políticas e sociais refletidas agudamente na produção do período da ditadura militar ganham tonalidades outras, e não menos contundentes, sob a paleta do teatro de pesquisa e a voga dos grupos. Conjunções artístico-ideológicas demandam ao profissional ou ao militante da crítica sintonizar também porosidades para além das linguagens e estéticas. Tocar o fio de alta tensão condutor de arte e cidadania. Localizar no radar a demagogia e a incisão.
Guinsburg e Patriota anotam que as temporadas de meados dos anos de 1960 em diante tornaram evidentes o fortalecimento de vínculo entre arte e política, o engajamento em causas populares e a recusa da chamada concepção burguesa. Tudo em defesa de obras que transcendessem as salas de apresentação. Esse processo precipitou novamente a valorização do texto com eixos históricos e sociais. Fruto das sementes da politização pré-ditadura espalhadas pelos Seminários de Dramaturgia do Teatro de Arena, a partir de 1958, e dos Centros Populares de Cultura, os CPCs da União Nacional dos Estudantes, a UNE, despontados poucos meses depois.
A crítica como atitude
O que é a crítica?
Para arriscar alguma resposta, penso em Foucault, e em como se aproximou do termo, na conferência que ofereceu à Sociedade francesa de filosofia, em 27 de maio de 1978, intitulada O que á a crítica? (Crítica e Aufklärung [Cítica e reconhecimento]). Ao observar o que chama de “atividades polêmico-profissionais que trazem esse nome de crítica”, percebe que nessas atividades “uma certa maneira de pensar, de dizer, de agir[…] uma certa relação com o que existe, com o que se sabe, com o que se faz, uma relação com a sociedade, com a cultura, uma relação com os outros também, e que se poderia chamar, digamos, de atitude crítica” (Foucault, 1990: p.2). Portanto, pelo que observa o filósofo, antes de se formular como discurso, a crítica caracteriza uma atitude. Uma atitude cuja natureza se delineia e cuja função, como ele diz na mesma página, se configura “em relação a outra coisa que não ela mesma”.
A primeira noção sobre a natureza relacional da crítica, consequente à lógica que Foucault estabelece, remete à ideia de discurso intermediário, de instrumento. A crítica é instrumento, “meio para um devir” (Foucault: p.2). Sob esse aspecto, a crítica, ou melhor, o discurso pelo qual se manifesta, constitui-se em discurso a serviço de, discurso à disposição de, e que estabelece, com os campos de conhecimento ou de produção em que se insere, e a que refere, uma relação de pertencimento. Para esse campo eleito, estabelece princípios, critérios e códigos específicos, conforme os modos de pertencimento que queira estabelecer.
Francisque Sarcey
Os textos de Gustave Larroumet (1852-1903) – professor na Sorbonne, membro do Instituto, diretor das Belas Artes depois Secretário perpétuo da Academia de Belas artes e Jules Lemaître (1853-1914) – escritor, critico, acadêmico que foi uma das grandes vozes do anti-dreyfusismo à frente da Liga da Pátria Francesa, são homenagens póstumas a Francisque Sarcey. Estes artigos, paradoxalmente, parecem justificar todas as críticas formuladas enquanto vivo.
[…] Como todos os escritores originais, Sarcey representou duas coisas : ele mesmo e seu tempo, quer dizer, um caráter original e a vida intelectual de uma geração. Francês de origem, ele trouxe do nascimento um conjunto de qualidades essenciais e atávicas : a necessidade de compreender e de julgar por ele mesmo, que é a razão e o senso do justo e da prática, que é o bom senso, o dom de destacar razão e bom senso pela notação rápida, viva e engraçada, dos relatos e dos contrastes, que é o espírito. […]
Nelson Rodrigues: de crítico a criticado – Um melodrama do teatro brasileiro
Introdução
Machista, tarado, reacionário. Estes são apenas alguns dos adjetivos atribuídos a Nelson Rodrigues. Porém, independentemente da opinião daqueles que ajudaram a construir esta visão tão pejorativa, ele foi considerado o primeiro a colocar no palco a vida cotidiana do subúrbio carioca, abrindo caminho para o uso coloquial da língua e inovando as temáticas dos textos teatrais. Nelson Rodrigues é conhecido como escritor, dramaturgo, cronista social e esportivo.
Luiz Arthur Nunes, diretor e pesquisador do melodrama na obra de Nelson afirma que a sua geração achava um sacrilégio trazer dados biográficos para a análise da obra. No entanto, quando se trata deste autor, esta regra há muito foi quebrada. Ao resgatar fatos familiares e profissionais de Nelson Rodrigues, muitos temas que são constantemente expostos nas suas obras fazem sentido. As tragédias, a morte e as traições, assim como a censura e a crítica vão estar presentes em sua vida desde cedo.
Uma visita a Sarcey
Uma visita a Sarcey é uma tradução de Helena Mello do livro Um século de crítica dramática, organizado por Chantal Meyer-Plantureux. Francisque Sarcey (1827-1899) é considerado a figura mais célebre da crítica francesa que nasce no fim do século XIX. Durante 32 anos, o “tio”, como era chamado, teve suas críticas publicadas todas as segundas-feiras até maio de 1899, ano de sua morte.
Aconselhado por alguns amigos, fui fazer uma visita a Francisque Sarcey. Eu devia agradecer o comentário que ele havia consagrado ao Mauvais Berger e também lhe levar os votos de ano novo. No momento em que eu entrei, o velho crítico saía da mesa. Ele estava sentado, ou melhor, esprimido em uma poltrona, rosto muito vermelho e congestionado, o olhar sonolento, a boca caída. Porém, ao me ver, apesar de sua prostração, ele exclamou no tom de falsa e trivial bonomia que lhe é particular:
– Ah! Ah! …. É você? …Então, eu fiz um artigo para você, meu rapaz!