Críticas
Estrutura cênica estrangeira
O espetáculo Passagens, dirigido por Diego de Angeli e encenado pela Pangéia Cia. de Teatro, parece ser constituído por uma idéia própria da experiência de arte que é a de promover condições de conhecer o mundo pelo que chega a aparecer dele para nós. É claro que isto dito assim poderia ser considerado como algo bastante abstrato e que concerne a toda e qualquer iniciativa artística. Porém, o que acontece aqui, além do fato de que a visualidade é componente forte no espetáculo, é que as possibilidades de aparecer algo referente ao mundo estão explicitamente comprometidas pelas circunstâncias deste aparecimento que, por se oferecerem mais gravemente por meio de estruturas cênicas alheias, acabam por não dar conta do mundo que querem revelar.
Um Hamlet em sintonia com o teatro de hoje
Hamlet, a mais célebre tragédia de William Shakespeare, é um veículo privilegiado para o diretor Aderbal Freire-Filho lançar questões bastante pertinentes em relação ao teatro contemporâneo. Esta perspectiva desponta, sobretudo, na passagem em que o personagem-título faz uma série de indicações aos atores de sua peça.
A antibailarina
Foi Chico Buarque e Edu Lobo quem escreveram “A Ciranda da Bailarina”. Aquela canção onde se lê que todo mundo tem ou teve: remela; sujo atrás da orelha; piolho; cheiro de creolina; casca de ferida e uma série de outras coisas. Todo mundo. Exceto a bailarina, enfatiza cada final de estrofe. A letra sintetiza algo que está latente no senso comum. De que a bailarina é esse ser diáfano, angelical, quase arquétipo da leveza, do frágil e de certa visão (parcial, como todo ponto de vista o é) do que seja o feminino.
Acerta em cheio Alessandra Colasanti, que dirige, escreve e atua em Anticlássico – desconferência e o enigma vazio ao causar o deslocamento, não o único do espetáculo, desse arquétipo, pintando-o de vermelho e vestindo-o de outros sentidos. A peça foi a atração de encerramento do Festival de Artes da cidade de Areia, na Paraíba.
Transições demarcadas estruturam atuação
Extraído de Os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski, O Grande Inquisidor, na versão do diretor Peter Brook, evidencia uma concepção de teatro calcada na presença do ator como elemento primordial. Esta característica vem norteando os espetáculos de Brook (a exemplo do recente Fragments), que, em décadas passadas, percorreu aldeias africanas com seus atores. Uma experiência comprovadora de que o teatro é uma manifestação artística fundada nas presenças do ator e do espectador, sendo que ambos não precisam necessariamente falar a mesma língua. Esta perspectiva remete ao Teatro Pobre, de Jerzy Grotowski, que, por meio de tal expressão, não se referia a uma eventual importância da escassez de recursos, mas sim a uma essencialidade do teatro, localizada no ator.
O registro de um Krapp
A dramaturgia da peça A última gravação, de Samuel Beckett, nos apresenta um velho homem numa relação com seu gravador, através do qual se escuta os seus depoimentos registrados em diversas fases da sua vida. A cada ano o personagem Krapp escuta alguns destes depoimentos, nos quais ele não se reconhece mais. À medida que ele escuta as suas gravações, e percebe que já não possuem mais a mesma importância, vão sendo desdobradas várias vozes díspares dentro de uma estrutura monológica.