Autor Pedro Allonso

A burguesia é branca

25 de julho de 2011 Críticas
Lorena da Silva. Foto :Vica Nabuco.

Está em cartaz, até o dia 27 de julho, no Espaço SESC em Copacabana, o espetáculo As regras da arte de bem viver na sociedade moderna, escrito pelo francês Jean-Luc Lagarce, com atuação de Lorena da Silva e encenação de Miguel Vellinho. Apresentado no Espaço Bar, área cênica reservada para experimentações de caráter mais intimista (o espetáculo comporta somente trinta e dois espectadores), a linguagem da encenação produz reflexão que, por meio da ironia, retrata o jogo de interesse que esclarece a essência da filosofia de vida na sociedade capitalista-burguesa, onde as relações de privilégios e regalias entre as elites estruturam-se solidamente em laços perpétuos de comunhão “fraternal” ou “amorosa” nos sacramentos da Igreja Católica.

A poética do espectador

19 de maio de 2011 Críticas
Rogério Garcia e Leonardo Chaves. Foto: Sergio Santoian.

Solano e Rios são dois atores que perambulavam pelas estradas empoeiradas de uma Espanha medieval, herdeiros de uma tradição cômica dotada de cinismo, ironia e alegria e que, muito provavelmente, faziam a festa da multidão em eventos não oficiais, tanto nas praças quanto nas feiras públicas do longínquo século XVII. Mikhail Bakhtin já havia identificado o caráter anárquico e carnavalesco desse pano de fundo social-popular na obra literária de François Rabelais. E é no interior desse contexto histórico que os dois pândegos famintos se desviam de suas rotas, fugindo de cobradores que resolvem acertar suas contas, e acabam caindo de pára-quedas na, não menos anárquica, festiva, idosa e erótica Copacabana, Espaço SESC, no Rio de Janeiro do século XXI. Deixam para trás sua terra natal e caminham longe, cruzando as fronteiras mais vastas de estilos, estéticas e influências artísticas.

Imagens em confinamento: A tensão entre corporeidade e espacialidade

26 de abril de 2011 Críticas
Atriz: Ângela Dip. Foto: divulgação.

“Fazer isso, ligar o teatro à possibilidade da expressão pelas formas, e por tudo o que for gestos, ruídos, cores, plasticidades, etc, é devolvê-lo à sua destinação primitiva, é recolocá-lo em seu aspecto religioso e metafísico, é reconciliá-lo com o universo” (ARTAUD, 2006:77).

Apagam-se as luzes da plateia. Ao iniciar o espetáculo, o espaço sonoro é preenchido por uma voz feminina em off, suave, plena de potência e de vontades. Uma voz que deseja o mergulho no ar e por sobre as cataratas. Desejo de cortar o espaço de maneira vertical, de furar o bloqueio das possibilidades do entendimento. Entendimento sobre si e sobre aquele que assiste, sentado na plateia. Um pássaro que carrega o seu fardo, que deseja voar, mas está preso ao seu destino em terra firme. Objeto que prende. Barril que encerra sua presa dentro de si e por sobre si. Desejos em conflito. Conflito entre o que se ouve e o que se vê. Construção imagética que se mantém autônoma do significado lingüístico. Essa atmosfera poética é emanada para o espectador, que compartilha junto com os demais, as angústias e os temores de uma figura (não, necessariamente, um sujeito psicológico) que divaga uma série de questionamentos abstratos sobre a existência. Ouvimos a narração durante o blackout.

A questão da identificação e da presença

19 de janeiro de 2011 Críticas
Atores: Ana Kutner e Márcio Vito. Foto: Chico Lima.

“Comprometer-se com um relacionamento, irrelevante ao longo prazo, é uma faca de dois gumes. Faz com que manter ou confiscar o investimento seja uma questão de cálculo e decisão.”

Zygmunt Bauman em Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos


O espetáculo Histórias de Amor Líquido é constituído por três tramas paralelas, organizadas de maneira fragmentada. O autor Walter Daguerre baseou-se, como fonte de inspiração fundamental para constituir sua dramaturgia, na obra do sociólogo polonês Zgymunt Bauman, em especial no estudo intitulado Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Desta maneira, opera-se no espaço cênico do Teatro Poeira, sob a batuta do diretor Paulo José, um sistema de procedimentos criativos em que situações fabulares, vivenciados por sujeitos ficcionais problematizados em sua individualidade e em graus variados de complexificação, são elaborados pelo autor do texto teatral numa aproximação com dados e conceitos apontados por Bauman na sua tese. O sociólogo discorre sobre visíveis mudanças nos relacionamentos afetivos instaurados pela pós-modernidade líquida (metáfora que muito vem a calhar e que se contrapõe à era das ideologias sólidas dos séculos passados) nas últimas décadas, provocando efeitos singulares no atual modo de pensar e agir com o próximo na contemporaneidade.

A artificialidade em questão

17 de novembro de 2010 Críticas
Foto: Paula Kossatz

O espetáculo Comédia russa, texto de Pedro Brício com direção de João Fonseca, que esteve em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues e faz sua segunda temporada, desta vez no teatro do Centro Cultural da Justiça Federal, até o dia 28 de novembro, se desenvolve a partir da metáfora que explora a comicidade do dia a dia de uma repartição pública, numa Rússia defasada tecnologicamente, encalhada na burocracia e regida pela má vontade do funcionalismo público.

Num primeiro momento da fábula, acompanhamos a trajetória do jovem Alexei (Rodrigo Nogueira) em seu primeiro dia de trabalho, depois de ter passado em segundo lugar no concurso que prestara. A situação de enfrentamento que este estabelece com a secretária Miúcha (Filomena Mancuso), a recepcionista que, antes mesmo de saber que o rapaz será seu colega de trabalho, exige dele uma série de documentos, afim de comprovar realmente se ele é a pessoa que diz ser, já deixa entrever que espécie de jogo cênico os atores vão definir como estrutura fundamental no processo de significação do espetáculo: o jogo que se instaura a partir da artificialidade na relação entre os signos.

Newsletter

Edições Anteriores

Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

Edições Anteriores