Autor Dâmaris Grün
Na memória do lar, um trabalho coletivo

Estar diante de um objeto artístico que é fruto da formação acadêmica nunca deixa de ser um ato judicativo, embora muitas vezes nos surpreendamos com um olhar mais complacente, já que estamos diante de jovens cavando seu espaço profissionalmente. Acredito que se abra uma espécie de possibilidade maior para os erros e fragilidades de uma obra que é construída por quem ainda está começando a se inserir no quadro profissional das artes cênicas. Como se um espaço maior para a possibilidade do erro – entendendo o uso do termo da forma mais ampla e dialética, já que, acredito, não há certo e errado na arte e sim tentativas que se sustentam e outras mais frágeis, que não suportam o peso da exposição pública – se abrisse de antemão ao nosso olhar. Fico muito feliz quando vejo um trabalho de jovens recém formados (o que se estende a toda a ficha-técnica, desde diretor, atores, figurinista, cenógrafo e produtor) que antes de “acertar o alvo” ou de fazer um trabalho que se pretende “acabado” experimenta suas novas formas de criação teatral, evidenciando uma postura artística e uma forma singular de fazer teatro.
Subjetividades que se ocultam

Inverno da luz vermelha se caracteriza por ser uma peça em que o espectador se envolve no desenrolar da história, no desencadeamento das ações na cena e nos conflitos estabelecidos pelos personagens. É, portanto, uma peça em que a trama (a fábula), a história que se conta e os personagens nela envolvidos têm uma importância central na encenação. Claro que essa especificidade é ainda uma alavanca forte nas encenações em nossos palcos. A peça já havia estado em cartaz no Rio de Janeiro, no teatro Gláucio Gill. Ainda lá obteve forte receptividade e retornou ao circuito carioca no frio e distante palco do teatro do shopping Fashion Mall.
Uma companhia e seu Brecht

A Companhia Ensaio Aberto comemora 18 anos de uma trajetória teatral com uma marca bem delimitada em seus trabalhos, um teor político marcadamente épico na forma que busca dialogar diretamente com a obra do dramaturgo alemão Bertold Brecht. O autor alemão é influência assumida e inspiração central para o grupo carioca. É possível vislumbrar sua história no projeto Armazém da Utopia com a qual a companhia ocupa o Armazém 6 do Cais do Porto do Rio sob o patrocínio da Petrobrás. No grande galpão de frente para a bela baía de nossa cidade, há fotografias, instalações com os objetos cênicos dos espetáculos, vídeos e a cenografia inteira do premiado Missa dos quilombos (com ações de performers, que trazem o espírito do espetáculo). A exposição revela um repertório preocupado com as questões políticas, como das minorias excluídas historicamente (os negros, os retirantes nordestinos, os loucos e etc.). Ela coloca esse discurso como um guia dos trabalhos do grupo e da própria ocupação do armazém da Praça Mauá.
Shakespeare para jovens de coração

R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida texto do americano Joe Calarco (que estreou em Londres ainda nos anos 70) teve esse ano uma versão carioca dirigida por João Fonseca, que começou com uma temporada na arena do Espaço SESC, passou pelo Teatro Glaucio Gill e em seguida foi para o tradicional palco italiano do Teatro Carlos Gomes. O texto mostra quatro alunos de um colégio rigoroso em Londres onde, entre os estudos, a rigidez dos professores, o dever das lições e orações, pairam quatro jovens que decidem encenar Romeu e Julieta no momento em que lhes é permitida a descontração do recreio escolar.
A babel de Qorpo Santo

Encenar as peças de Qorpo Santo, autor do século XIX, não é tarefa fácil nem comum nos palcos da cidade. Comediógrafo pouco visitado por nossas companhias, diretores e atores, o autor traz uma obra bastante peculiar para uma época em que ainda reinavam os dramas históricos de João Caetano, as comédias de costumes de Martins Pena o realismo do Ginásio Dramático de José de Alencar para traçar um rápido panorama do teatro na segunda metade do século XIX. Com uma escrita fragmentada, satírica e paródica, José Joaquim de Campos Leão, o Qorpo Santo, retrata cenas prosaicas do cotidiano, colorindo-as com tons de um universo nonsense, onde trafegam personagens alegóricos (como Interpreta, Impertinente, por exemplo, em As relações naturais) sem uma linha lógica de ação tempo e espaço. Há em sua escrita um foco na representação, a cena propriamente dita.