Autor Dinah Cesare
Mistérios da fala no corpo
Um modo de fazer o mundo surgir, ou dito de outra maneira, a plasticidade do sensível na linguagem. É possível dizer assim do trabalho de arte da peça Nada. Talvez ainda não apareça neste texto uma escrita capaz de se haver com o prazer melancólico que se pode ter com a imagem-tempo da encenação. Mas uma hipótese possível, ainda que cheia de fraturas, é a de que o mundo mostrado pela conjugação entre a poesia de Manoel de Barros e a poética criada pelos irmãos Fernando e Adriano Guimarães em parceria com a diretora Miwa Yanagizawa, dramatiza o conflito do conhecimento numa dupla tensão entre o sensível e o mundo das imagens que trabalha com o desmonte visual das coisas, com o teor de desestabilização da palavra poética do poeta.
Atos da fala como percepção
A peça Arte, em cartaz no Teatro do Leblon, encena o texto da dramaturga argelina, radicada na França, Yasmina Reza que, desde a sua estreia em 1995 em Paris, ganhou uma série de traduções e encenações em diversos países. No Brasil, esta encenação é realizada pela segunda vez, tendo sido a primeira dirigida por Mauro Rasi em 1999, com José Mayer, Luis Gustavo e Pedro Paulo Rangel formando o elenco. A montagem atual tem a tradução e a direção de Emílio de Mello e conta com os atores Marcelo Flores, Claudio Gabriel e Vladimir Brichta. Nessa montagem se dá a ver uma proposição que articula seus elementos em uma relação que ilumina a dramaturgia, deixando escapar em sua composição estética a força dos atos da fala como construção das nossas subjetividades.
Posse e destruição
Como extrair dos clichês, imagens que digam do mundo em que vivemos? Essa é uma provocação de Amérika! que, dita de outro modo, propõe ao espectador a renúncia aos modos habituais de se relacionar com os elementos da cultura justamente por meio da incidência sobre o lugar-comum, sobre um saber que não nos pertence, já que perpassa gerações. Para dar a ver algo tão formador de nossas personalidades, como é o consumo, uma das possibilidades é jogar. O termo jogar aqui também tem a feição do brincar infantil. Esse brincar na criança é acompanhado pela imitação e pela inabalável crença no brinquedo. Quando a criança brinca transforma a função e a imagem das coisas num relance. Uma poética que se vale de algo em semelhança com o brincar pode oferecer um distanciamento que estimula a visão de uma duplicidade própria das coisas, uma espécie de dança entre o material original e o objeto elaborado. No caso de Amérika!, o trânsito de personagens e situações-clichês aponta para a crítica na medida em que não existe a crença absoluta nas tipificações – os atores brincam de brincar.
O que nos livra do esquecimento
O espetáculo Cowboy, com dramaturgia de Daniela Pereira de Carvalho e dirigido por Henrique Tavares, apresenta um pensamento sobre os estados de loucura e seus limiares colocando em confronto duas perspectivas: uma é a daquele que passa por um estado de sofrimento mental, e outra, é a do que sofre sua repercussão. Neste atrito, mostram-se duas solidões em sofrimento e se dá a ver a inelutável restrição edificada pela afirmação de um único ponto de vista. A questão da loucura não é tratada por tentativa de sublimação ou mesmo de criação de um lugar de valor, o que demonstra uma visão sensível e constrói uma poética transgressora das nossas referências mais comuns.
Ambiguidades sutis
A Cia Marginal está em cartaz com Ô Lili na sede da Cia dos Atores no bairro da Lapa. O espetáculo estreou em maio de 2011 no Teatro Maria Clara Machado. Ô Lili é o segundo trabalho da Cia (o primeiro foi Qual é a nossa cara?), que é integrada por jovens moradores do Complexo de Comunidades da Maré e que vem se desenvolvendo ao longo dos últimos seis anos em formas diferenciadas de oficinas e de apresentação de trabalhos. A pesquisa deste segundo espetáculo partiu de uma série de conversas realizadas com detentos do sistema prisional da cidade e que o grupo materializou por meio de uma criação coletiva, sob a direção de Isabel Penoni.