Autor Dinah Cesare

Um inconsciente preso ao passado

24 de novembro de 2012 Críticas
Foto: Divulgação.

A primeira visão da cena identifica um quadro onírico em que objetos empilhados tais como cadeiras, mesas, uma cômoda, teclas de piano suspensas e outros se amalgamam com o Espaço Tom Jobim – Galpão. Os objetos parecem retidos. Concretização plástica perceptual de Sônia, menina morta aos 15 anos que recompõe a trajetória de sua vida por meio de fragmentos de memória – personagem de Valsa Nº 6, único monólogo escrito por Nelson Rodrigues. Esta motivação material é a expressão com a qual a direção de Claudio Torres Gonzaga marca a encenação como forte elemento de teatralidade. É visível na cenografia de Sérgio Marimba o desejo de mimetismo da personagem, ou por outra, sua indelével condição de prisioneira do passado – coerência sustentada pela composição dramática que nos propõe um modo de conhecimento da personagem do clássico texto rodriguiano.

Refinamento estético dos detalhes

1 de novembro de 2012 Críticas
Foto: Divulgação.

Ficção teve sua estreia na cidade do Rio durante o Tempo Festival e está em cartaz no Teatro do Oi Futuro do Flamengo. É uma oportunidade de assistir o trabalho da Cia Hiato de São Paulo, dirigida por Leonardo Moreira, que protagoniza uma pesquisa interessada numa dimensão de jogo e abertura da linguagem cênica que, para além de qualquer didatismo ou programas teóricos, se forma numa esfera de atrito entre o mito, a ficção e os poderes do espetáculo como dinamizadores da realidade. Este investimento constrói trabalhos pautados no distanciamento, ou em tomadas de distância para que se possam ver melhor as coisas, sem destituir completamente momentos de imersão e prazer para o espectador. Seus temas se desenvolvem em olhares oblíquos afetados por anomalias tratadas como potências. Assim acontece em Cachorro morto (2008) que performatiza a história de um portador da Síndrome de Asperger, em Escuro (2009) que problematiza a cegueira e a inadequação da linguagem, ou em O jardim (2011) que trabalha com a característica lacunar da memória.

Nuances de um desfazimento

14 de setembro de 2012 Críticas
Foto: Marcella Garbo.

O diretor Bruno Siniscalchi, em sua versão de A gaivota de Anton Tchekhov, faz prevalecer um estranhamento suscitado pela importância das coisas escondidas, daquilo que constrói o avesso do visível nos parâmetros da experiência comum. Mas não se trata de uma imposição do escondido e sim das possibilidades em que este aparece em nuances na vida cotidiana. Essa perspectiva se alia à revolução promovida por Tchekhov em seus dramas fundamentados na economia do realismo, que fazem uma radiografia opaca do espaço interior dos seus personagens. Uma questão relevante no modo de apropriação da vida no final do século XIX, e que se desdobrou na esfera da arte, foi a intervenção do chamado campo da vida na instância da verdade. Assim, os modos em que nos encontramos em relação ao tempo se tornaram cada vez mais presentificados nos trabalhos de arte, criando mesmo suas estruturas e temáticas. Em Tchekhov, esta espécie de querela faz realçar as características dos campos da vida e do conhecimento atrelados às noções tradicionais, sem que ocorram ultrapassamentos e promovendo o aparecimento de abismos e vazios entre os personagens, entre seus contextos e o movimento do mundo.

Vida e arte em suspeição

23 de agosto de 2012 Críticas
Foto: Divulgação.

Inglaterra – versão brasileira, dirigida por Bel Garcia e com texto de Tim Crouch, materializa questões latentes do mundo atual em um nível de entrelaçamento que causa, no mínimo, nossa perplexidade. Reconhecer que o curso dos acontecimentos é entrecortado pelo intempestivo é um processo doloroso. Compreender ainda que esse curso é interrompido por coisas que estão imersas em uma dimensão sem territórios definidos pode ser avassalador. A peça expõe a crueza do poder financeiro em que o comércio se solidariza com a noção de arte, sendo ambos importantes elementos que fomentam o par vida/morte. Existe um refinado jogo de imagens tensionadas entre o que se apreende com os termos agradecimento e reconhecimento.

Meios que encarnam a fala

17 de julho de 2012 Críticas
Foto: Dalton Valerio.

A peça Matamoros, idealizada por Maíra Gerstner e dirigida por Bel Garcia, encena o conto de Hilda Hilst Matamoros (da fantasia), que conta a história de uma menina pelo viés da sua sexualidade em confronto com a porção familiar, a herança dos modos de ser e agir em tudo aquilo que acaba dando um contorno para o vivido. As trajetórias de mãe e filha se entrelaçam por acontecimentos da relação de afeto das duas, ainda na infância, que tenta reposicionar a sexualidade da menina. Mais tarde, ambas se verão na disputa por um mesmo homem. Isso faz com que apareça uma experiência que transita entre o desejo e um florescimento da vida e a inevitável sensação de morte que acompanha o novo quando faz desabar aquilo que parece nos prender. A morte surge como elemento inevitável de todas as promessas daquilo que é vivo. Dá-se uma espécie de encarnação da maternidade e da finitude pelo lado da apreensão da filha, ao mesmo tempo em que sua criação de fantasia propõe um falseamento que renova os significados da relação entre as duas.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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