Autor Dinah Cesare

O movimento do visível

25 de janeiro de 2012 Críticas
Foto: Renato Magolin.

Uma das possibilidades mais instigantes para a crítica é o fato de que as obras proporcionam experiências materiais nas quais os conteúdos teóricos se movimentam e mostram suas evidências e seus desvios. Isso promove uma espécie de alegria que leva ao desejo da escrita, sempre insuficiente, mas na tentativa de se ultrapassar, ou seja, ultrapassar o crítico. Assim nos tornamos meio sobreviventes dos nossos conjuntos mal armados de referências, de escolhas e do idolatrado panteão das nossas memórias. Esse é um dos efeitos que a peça Meu avesso é mais visível que um poste provoca por meio de uma operação que se constitui por insistentes desconstruções de um lugar metafísico separado do mundo sensível. O modo ideal dessa desconstrução na peça se dá no confronto entre o âmbito da memória e uma visualidade de material sintético – o visível do avesso é uma coisa construída. De modo semelhante, a dramaturgia é uma estrutura do fluxo do pensamento que é colocado como coisa visível.

Inventário de afetos viventes

26 de dezembro de 2011 Críticas
Foto: Felipe Araújo Lima.

O espetáculo Estamira – beira do mundo, em cartaz no Porão da Casa de Cultura Laura Alvin, é uma criação em conjunto da diretora Beatriz Sayad com a atriz Dani Barros a partir do filme Estamira de Marcos Prado. Tanto o filme quanto o espetáculo nos mostram singularidades que surgem na vida por meio de atitudes sempre em desvio. Modos de estar que são atravessados pelas determinações dos sistemas e instituições, porém teimam em criar seus próprios percursos de transgreção e de constituição de sentidos inesperados. Assim é que parece se formar a ideia de personagem – e o motivo pelo qual somos atraídos ou distanciados dele – porque são evidências de ações. Talvez seja nossa constante maneira de significar a subjetividade em um endereçamento ao mundo. Entendo que a força da peça Estamira está em sua composição que deixa entrever a conflituosa região de convívio entre as construções ficcionais e o que normalmente consideramos o real. Esse movimento criou um potente uso do material original do filme.

Visualidade e desaparecimento da linguagem

21 de setembro de 2011 Críticas
Angela Leite Lopes. Foto: divulgação.

“Pelo instrumento do teatro, atingir a visão da palavra;
pelo instrumento do teatro captar a palavra pelos olhos,
ver o pensamento.”
(Valère Novarina in Diante da Palavra)

Teatro dos ouvidos é uma obra que se mostra como um híbrido de performance, teatro e artes plásticas dirigida por Antonio Guedes e atuada por Angela Leite Lopes. O trabalho é uma parceria entre o Teatro do Pequeno Gesto e a L’Acte – atos de criação teatral. A germinação é o texto homônimo de Valère Novarina, pintor, poeta e dramaturgo que edifica seu trabalho pelo trânsito entre as fronteiras que demarcam diferentes gêneros artísticos. A performance, apresentada em agosto na galeria do Espaço Cultural Sérgio Porto, criou condições de possibilidade para a percepção de que a arte surge por meio do confronto. O título já sinaliza o enfrentamento de um deslocamento e uma ambiguidade. Teatro originalmente significa o lugar de onde se vê e aqui a linguagem é o que se mostra.

Trama e vertigem em exposição

30 de agosto de 2011 Críticas
Foto: Ana Cecília Brignol

O romance O idiota de Fiódor Dostoièvski inspirou pelo menos dois espetáculos este ano: O idiota – uma novela teatral, dirigido por Cibele Forjaz, que estreou no Rio de Janeiro no Galpão do Espaço Tom Jobim, no final de junho e O idiota – primeiro dia, dirigido por Fábio Ferreira, que está em cartaz no Parque das Ruínas. A apresentação dessas duas encenações em um curto espaço de tempo proporciona uma experiência reveladora da relação entre as artes, no caso, entre o romance e o teatro. O olhar sobre as especificidades das duas leituras da obra do escritor russo aponta ainda para outras formas de artes que se misturam e se confrontam na fatura das encenações. Assim, se cria uma agradável sensação de reconhecimento, por parte do espectador, de que ele, em contato com a encenação, está em um território não completamente demarcado no qual não se pode dizer – isso é teatro, ou isso é música, ou isso é cinema. O espectador se entende como um construtor. A crítica que Daniele Avila escreveu sobre O idiota – uma novela teatral revela uma particular relação do espectador com o tempo que o teatro pode proporcionar. No espetáculo O idiota – primeiro dia, a orientação de um foco sobre o tempo aparece já no título e se desenvolve ao longo da encenação, criando às vezes esferas de relação com o tempo e a leitura do romance, com os modos de apreensão das fábulas, com os de apreensão daquilo que é visível e com a da linguagem cinematográfica.

Uma encenação na frontalidade

30 de junho de 2011 Críticas
Foto: Guga Melgar.

A encenação dirigida por Moacir Chaves de O retorno ao deserto, texto de Bernard-Marie Koltès, produz um continente tensionado pelas noções de superfície e profundidade por meio da opção de valorização da palavra como vetor da teatralidade. Essa tem sido, em uma boa medida, uma das investidas observáveis no trabalho do diretor, que cria zonas de contrastes para a recepção, construídas por um movimento de aproximação e de distanciamento que abre espaço para o jogo reflexivo. A ideia de uma teatralidade pautada pelo texto orientou fortemente o teatro ocidental, mas foi paulatinamente desconstruída em favor dos demais elementos da representação teatral na contemporaneidade. Assim, O retorno ao deserto aparece como um objeto constituinte de uma historicidade teatral, na razão própria de seu deslocamento.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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