Autor Daniel Schenker
Ecos de um mundo distante
O Lume Teatro entrecruza temas importantes em O que seria de nós sem as coisas que não existem, espetáculo do repertório do grupo apresentado na última edição do Festival Internacional de Londrina (Filo). Os principais são a defesa do artesanal e a busca da perfeição na criação (remetendo ao desejo utópico de alcançar a perfeição na obra de arte).
Jogo de repetição sem impacto teatral
Hell é um texto estruturado sobre repetições. A protagonista do best-seller de Lolita Pille, transportada para o teatro por Hector Babenco e Marco Antonio Braz, surge como uma figura mergulhada num cotidiano de excessos. Hell, como gosta de ser chamada, quase nunca consegue romper com um círculo viciado marcado por álcool, drogas e relacionamentos ora fugazes, ora intensos e destrutivos.
Primordiais espaços periféricos
Cozinha e dependências e Um dia como os outros, textos de Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri, são ambientados em espaços periféricos. Nem a cozinha, onde se encontram os personagens na primeira história, nem o bar, onde estão os da segunda, despontam como lugares nobres, onde deveriam se desenrolar as ações de cada história. Os personagens se esbarram na cozinha para reclamar do andamento da reunião planejada para um convidado famoso, que não transcorre na sala exatamente conforme o planejado; e se encontram no bar para sair rumo a uma festa de aniversário, partida que, porém, acaba não acontecendo devido à eclosão de um conflito conjugal.
Flagrantes de desolação afetiva
Há muito de Tennessee Williams nos textos que escreveu. A fragilidade de Laura, de À margem da vida, refugiada num mundo repleto de delicados bichinhos de cristal, e a crescente renúncia de Blanche Dubois, protagonista de Um bonde chamado desejo, ao mundo externo expressam o desconforto do dramaturgo diante da realidade. Pelo menos, do modo como foi confrontado com a realidade, considerando as agruras familiares com as quais se deparou. Não por acaso, suas peças trazem à tona a necessidade de construção de um universo ilusório, paralelo.
Leve tom crítico de uma brincadeira desvairada
Pedro Brício parece mais disposto a brincar do que a fazer uso do tom crítico em Me salve, musical!, mas, apesar disso, distribui, ao longo desse seu novo texto, diversos comentários relacionados a um modo de entender e, por conseguinte, fazer teatro.
Os personagens principais – o casal George Simas e Alma Durán – já evidenciam, de certa maneira, algumas tomadas de posição. Ele é um diretor de musicais que procura copiar o padrão de realização da Broadway, proposta que limita seu alcance artístico. Essa ambição – não exatamente a de copiar, e sim a de atingir o know how dos espetáculos americanos – é externada com frequência por produtores e diretores contemporâneos. Logo no prólogo, George surge em cena lançando uma provocação ao público: diz que o teatro deve ser encarado como uma diversão escapista cujo principal sentido está em propiciar que se esqueça das agruras do dia-a-dia. Alma, em contrapartida, é uma atriz com vocação para a tragédia, dona de personalidade passional, bem menos disposta a fazer concessões.