A festa de Snežana Golubovic

Crítica da performance-instalação I love you, de Snežana Golubović

30 de setembro de 2012 Críticas
Foto: Rosa Gaia Saunders.

Poderia Snežana Golubović, na performance-instalação I love you, estar recordando o casal Johnny e Judy da traumática festa de aniversário da famosa música It’s my party cantada por Lesley Gore? Podemos dizer que, quando a performer se confronta com sua imagem refletida no espelho, seus olhos brilham e refletem toda uma história vivida. O traje de festa composto por um vestido de paetê azul, meia calça fina, salto alto, penteado elegante, batom vermelho e um microfone antigo (tipo o do Elvis Presley) imbuem, com a idade da performer, um retorno poético visual das grandes divas do Jazz do passado. Tal afirmação se justifica, também, quando são inseridos inúmeros vinis de diversos títulos no espaço de intervenção.

Diferentemente da situação em que o público ama a grande musa cantora, aqui, ao contrário, Golubović procura amar o público estadunidense ao direcionar seu olhar, com ou sem o intermédio do espelho, ao dizer a expressão “I love you”. Sua única apresentação faz parte do programa do Rapid Pulse International Performance Art, Festival da Defibrillator Performance Art Gallery na cidade de Chicago e o espaço para a realização dessa performance-instalação foi o da própria vitrine da galeria de arte que promove esse festival. O público que presenciou essa intervenção era composto por transeuntes ou pessoas ligadas ao festival, ou seja, qualquer pessoa que passasse diante desta vitrine poderia ser provocada pela performer.

Nesta ação performática, ao discurso verbal da ação não cabe nada além da expressão “I love you” e, com isso, poderíamos ligar o efeito dessa sua ação no espectador com o que o sociólogo polaco Zygmunt Bauman afirma em sua obra Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos: “quando se esquia sobre gelo fino, a salvação está na velocidade” e “tende-se a buscar a desforra na quantidade”de relacionamentos (1). Com essa afirmação, notamos que a expressão “I love you” foi pervertida por habitualmente ser utilizada em filmes, novelas, músicas, etc. e, com isso, torna-se pouco utilizada no plano da realidade. Com a chegada da velocidade inserida por esses meios de comunicação e, mais ainda, pelas redes sociais (Orkut, Facebook, Twitter etc.), o corpo humano consegue “desacelerar o processo de distância, mas não salva as suas relações” (2).

O economista norte-americano Herbert Simon alegou em 1971 que:

“Em um mundo rico em informações, a riqueza da informação implica a carência de outra coisa: escassez daquilo que a informação consome. O que a informação consome é bastante óbvio: ela consome a atenção de seus destinatários. Dessa forma, a abundância de informação gera carência de tempo”. (3)

Visionário, Simon previu o mundo atual, um mundo hiperconectado, onde a abundância de informação na rotina diária leva a uma escassez de atenção. Ora, apesar da potencialidade dos meios de comunicação, a capacidade de tempo e atenção dos seres humanos ainda são restringidos e, com isso, se torna impossível concentrar um tão grande número de informações.

Foto: Rosa Gaia Saunders.

Em sua festa, Golubović leva a cabo um ritual que se supõe uma ocasião feliz em que, na realidade, tal evento, ocorrido através da performance-instalação I love you, coloca o espectador numa posição de confronto com sua própria verdade no reflexo do vidro da vitrine. Portanto, é claro, que se a performer fosse a humilhada adolescente de Lesley Gore, provavelmente, ela diria “You would cry too if it’s happened to you” como noutros tempos, em que essa jovem trocada pela Judy cantava “It’s my party and i’ll cry if I want to”.

Referências bibliográficas:

(1) BAUMAN, Z. Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. p. 13.

(2) DUNBAR, R. How many friends does one person need?: Dunbar’s number and other evolutionary quirks. Londres: Editora Faber & Faber, 2010. p. 26.

(3) SIMON, H. Designing Organizations for an Information-Rich World, In: Martin Greenberger, Computers, Communication, and the Public Interest, Baltimore, MD: The Johns Hopkins Press, 1971. apud ANDERSON, C. Free – O Futuro dos Preços. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 183.

Paulo Aureliano da Mata (Inhumas – GO, Brasil. 1987) é ator, fotógrafo, historiador da arte, produtor e tradutor. Atualmente, estuda História da Arte na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em Portugal. Em 2009, fundou junto com Tales Frey, a CIA.EXCESSOS e, em 2012, junto com Suianni Macedo e, novamente, com Tales Frey, fundou o Instituto das Artes de Inhumas – IAI.

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