Personagem e espetáculo em busca de identidade

Crítica da peça Baseado na rua de trás, da Outra Companhia

26 de dezembro de 2011 Críticas
Foto: Cláudia Ribeiro

Identificado, inicialmente, como H., o protagonista de Baseado na rua de trás não tem acesso aos códigos de funcionamento da cidade onde se encontra. Mais do que dificuldade de estabelecer comunicação com os que estão à sua volta, H. parece perdido num mundo estranho. A cada situação é exposto como um indivíduo à parte, desintegrado. Não se trata apenas de negociar com uma ordem estabelecida, mas de precisar se enquadrar, o que o leva a um afastamento de seus próprios desejos e, em última instância, de sua identidade.

Mateus Tiburi, autor de Baseado na rua de trás, também presente em cena como ator, não apresenta uma possibilidade de interpretação fechada, mas evidencia o desejo de abordar determinados temas: além da questão do indivíduo submetido a uma lógica coletiva que não compreende, o dramaturgo traz à tona a discussão em torno da vida transformada em espetáculo, da exposição ilimitada da privacidade, da fabricação de personalidades públicas que se revelam falidas de momento em diante.

Em linhas gerais pode-se dizer que Baseado na rua de trás versa sobre a afirmação da identidade, objetivo muitas vezes dificultado ou até mesmo impossibilitado, a partir de certa peregrinação do protagonista por um labirinto kafkiano. Esta também é a ambição da Outra Cia. de Teatro, formada por integrantes do extinto grupo Laranja Eletrônica, como de qualquer novo coletivo que começa a se apresentar em meio ao numeroso panorama teatral contemporâneo. E é nesse sentido que esse trabalho se ressente de uma fala mais específica.

Mateus Tiburi enumera alguns pontos que vêm sendo abordados com frequência (como o da necessidade de portar uma personalidade pública artificial) e revela maior preocupação em se exercitar na construção estrutural: transita entre gêneros, às vezes numa mesma cena, divide o texto em partes bem separadas que se diferenciam e, ao mesmo tempo, se complementam.

A estruturação de um texto muitas vezes é preterida em prol de uma análise dos “conteúdos”. Portanto, a disposição de Mateus Tiburi em valorizá-la é legítima. Mas não suscita uma análise mais consistente da obra justamente porque é disso que carece Baseado na rua de trás. A insegurança do autor vem à tona ao final, quando demonstra certa necessidade de esclarecer para o espectador o que considera como mais importante em seu texto.

O problema não está, sobretudo, na execução. O autor resolve melhor a segunda parte do texto, centrada na crescente desestabilização de um casal munido de ambições totalmente diferentes, ainda que os elementos realçados sejam mais evidentes, reconhecíveis pelo espectador. O diretor Gustavo Damasceno procura materializar as principais características do texto de Mateus Tiburi, investindo na criação de uma atmosfera estilizada, em especial na primeira parte. Conta com a adesão do elenco, principalmente de Carolina Ferman, que revela timing apreciável e habilidade na alternância entre gêneros diversos.

Daniel Schenker é doutorando da UniRio e crítico de teatro do Jornal do Commercio e da Isto É / Gente.

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