Beckett sem rótulos

Crítica da peça Fragments

10 de abril de 2009 Críticas

Indubitavelmente, Peter Brook é um dos maiores encenadores do teatro contemporâneo. O artista inglês que, atualmente, dirige o Centro Internacional de Criação Teatral no Théâtre dês Bouffes du Nord, em Paris, trouxe a Portugal, no Centro Cultural Vila Flor, na cidade de Guimarães, uma hora de trem (comboio) da cidade do Porto, o espetáculo Fragments, em um imponente teatro com capacidade para 800 lugares, sendo que apenas um pouco menos da metade da platéia estava preenchida. Foram apenas duas exibições sem as “clássicas” disputas por um ingresso, quando se trata de um artista mundialmente reconhecido com um número restrito de apresentações. Em Portugal, não houve tumulto, aliás, nem empolgação generalizada. Garanti meu lugar na terceira fila, no centro do teatro, sem a menor dificuldade e confesso que, apesar de vibrar pela conquista, lamentei pela falta de interesse dos portugueses num evento nada corriqueiro, tendo em vista que, logo após o espetáculo, haveria uma conversa com a equipe.

Embora pareça uma idéia contraditória, em Fragments, Peter Brook timbra, através da simplicidade, um espetáculo completamente sofisticado, apoiando-se somente no que é essencial, tanto na cenografia, figurinos e no desenho de luz de Philippe Vialatte, como na própria interpretação dos atores; tudo parte da sutileza. Um banco de praça, dois cubos, dois sacos, enfim, alguns singelos elementos de cena compõem o palco. É uma encenação limpa que se desdobra, conceitualmente, a partir de poucos recursos; o espetáculo tem, no stricto sensu da palavra, três atores em cena e não três personagens, os quais chegam, inclusive, a adquirir aspectos clownescos. A peça é composta por quatro curtas peças de Samuel Beckett, “Rough for Theatre I”, “Rockaby”, “Act Without Words II”, “Come and Go” e um poema “Neither”, sendo que na transição de um fragmento para o outro, há um rompimento com a ficção, trazendo, tanto ao espectador mais leigo como ao mais atento, as noções brechtianas, revelando os truques cênicos. A montagem é uma fuga inteligente do clichê pessimista e negativo através do riso elaborada por Brook.

Nas reações da platéia, a criatividade desenvolvida em gestos limpos, sem nenhum excesso, podia ser notada num riso e, muitas vezes, em gargalhadas que, opostamente, chegavam ao exagero.

A peça chegou ao fim, com menos de uma hora de duração, fato que chegou a chocar uma mínima parcela da platéia que saiu indignada, argumentando alto sobre o tempo de duração e sobre a “falta de grandiosidade do espetáculo”. Essa minoria exigia de um encenador conhecido e respeitado, como é o caso de Peter Brook, muita maquinaria e muitos efeitos e ornamentos, algo como o que já existe nos musicais, que nunca saem de cartaz da cidade do Porto, em Portugal, sempre com a casa lotada.

Definitivamente, essa minoria foi assistir ao espetáculo por engano e, por mais triste que pareça, não perceberam a genialidade impressa nessa simplicidade e economia de excessos na elaboração de Fragments que foi, merecidamente, aplaudidíssimo durante longo tempo pela maioria da pequena platéia que estava presente.

Pouco mais de cinco minutos depois do espetáculo, os atores sentaram no palco e conversaram com o público que lá permaneceu, juntamente com a colaboradora Marie Hélène Estienne, a qual recusou-se falar do processo de criação em respeito à ausência do encenador. Decepcionada, a platéia dirigiu perguntas somente aos atores, fazendo com que Estienne saísse constrangida e, literalmente, “à francesa”. O “bate-papo” aconteceu de maneira bem informal, não permitindo espaço para ostentação de prolixas perguntas, resultando na satisfação dos espectadores.

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