Espetáculo determinado pela cenografia

Crítica da peça Dois irmãos

10 de fevereiro de 2009 Críticas
Atores: Diogo Benjamin e Pablo Sanábio. Foto: Fabricio Mota.

A montagem de Dois irmãos investe em algumas tendências bastante frequentes em investigações cênicas recentes, principalmente as realizadas por grupos jovens e/ou por companhias movidas por inquietação artística. A mais evidente diz respeito à busca por uma espacialidade diferenciada do formato tradicional, tanto no que se refere à movimentação dos atores quanto à inserção do espectador; a mais interessante reside no comprometimento dos atores com o instante imediato da cena.

Parece haver uma determinação dos diretores Michel Blois e Cynthia Reis em fugir ao convencional. Talvez esta preocupação tenha surgido a partir de uma constatação referente ao modo de transportar para a cena o texto de Fausto Paravidino, que, de fato, não tem nada de muito especial, a julgar pela maneira como o autor aborda a evolução do vínculo passional para a tragédia no relacionamento travado entre Boris e Lev, os dois irmãos do título, e Erica, todos dividindo o mesmo apartamento.

A montagem é, em boa parte, norteada pelo dispositivo cenográfico criado por Alberto Renault, que consiste numa espécie de grande mesa. Em cima dela, os atores transitam entre diversos objetos manipulados ao longo da apresentação (vale destacar a ação com as facas, realizada por Pablo Sanábio, ao final). Aos poucos, os atores desencaixam partes dessa mesa e abrem percursos através dela. É possível estabelecer conexões entre a cenografia e os personagens de Paravidino: no fato de eles não conseguirem estabelecer sintonia, como as trilhas abertas pela mesa que nunca se encontram, e também na grande quantidade de objetos espalhados de forma desordenada, expressando a (des)estruturação de Boris, Lev e Erica. 

Mesmo assim, fica a impressão de que a concepção da cenografia decorre, acima de tudo, de uma tomada de posição acerca do fazer teatral. Os diretores defendem uma interação entre o teatro e as artes plásticas (não por acaso, a montagem foi apresentada numa galeria durante parte da temporada no Rio de Janeiro), não só por meio da construção de uma cena condicionada pela instalação cenográfica como de propostas de relação lançadas ao público. Entretanto, as propostas – seja fazer com que os espectadores interajam de maneira mais livre com o espetáculo, no sentido de permitir a entrada e a saída a qualquer momento, ainda que uma história linear esteja sendo contada, seja a acomodação da plateia em bancos nas laterais da sala, ampliando, de certa forma, a horizontalidade do dispositivo cenográfico – carecem de uma fundamentação mais consistente.

É no trabalho com os atores que Michel Blois e Cynthia Reis alcançam os resultados mais promissores. Ana Lima, Diogo Benjamin e, em especial, Pablo Sanábio caminham na contramão de um artificial tom de representação, procurando reagir às situações no momento exato em que ocorrem. É como se o público testemunhasse os atores sendo assaltados por sucessivos impulsos e, ocasionalmente, constrangidos ao se confrontarem com intervenções surpreendentes do personagem/parceiro de cena. A espontaneidade com que passeiam por estados emocionais desponta como resultado de um processo de construção elaborado durante o período de ensaios. Restrições à parte, Dois irmãos é um trabalho instigante, que faz oportuna contribuição ao panorama teatral desses primeiros meses de 2009.

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