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Crítica da peça O doido e a morte, parte da programação do FESTLIP

20 de junho de 2008 Críticas

O recém-encerrado Festlip proporcionou ao espectador um breve contato com representantes da produção teatral de países de língua portuguesa. Há um mérito incontestável nesta proposta, ainda que o resultado apresentado nem sempre se revele satisfatório.

De Cabo Verde desembarcou O doido e a morte, montagem do Grupo Teatral do Centro Cultural Português do Mindelo, que, fundado em 1993, ocasionalmente se dedica à encenação de textos da dramaturgia clássica. No caso específico deste espetáculo, os integrantes decidiram se deter sobre uma obra do autor português Raul Brandão, centrado da perspectiva do fim iminente ao confrontar um político poderoso com a súbita presença de um terrorista.

Os códigos da montagem de João Branco são estabelecidos desde o início da apresentação. A iluminação, elemento importante da concepção, delimita um espaço de ameaça – no caso, o escritório do governador onde se passa toda a ação – e procura influenciar na temperatura da cena – ao contrastar, no painel de fundo, a frieza do azul com a intensidade de tonalidades de vermelho e laranja.

Os atores lidam com objetos imaginários sugeridos através do gestual e da sonoplastia e portam, quando dentro do espaço da cena, máscaras brancas utilizadas possivelmente com o intuito de trazer à tona o papel social de cada um. As máscaras, de aparência quase neutra, contrastam com o registro de atuação adotado pelos atores (João Branco, Luis Miguel Morais, Paulo Santos, Silvia Lima), marcado por destacados esforços de composição e por uma perseguição constante do efeito de humor através de uma exacerbação dos gestos e do modo de dizer. Os recursos empregados pelos atores parecem filiados a uma vertente interpretativa algo ultrapassada. Não há uma expressão intensa e alerta nos rostos por trás das máscaras.

À medida que o espetáculo avança e que o debate se intensifica, a situação lançada pelo autor se afasta, em parte, do foco realista. Uma questão maior se impõe, nas palavras do terrorista: “Passei a ver o mundo não como todos o vêem, mas como é na realidade”. Mesmo que a realidade, sob a sua perspectiva, seja evidentemente uma distorção, o autor valoriza o descompasso entre uma visão de mundo ilusória e o confronto com o real. João Banco também lança uma outra frente de debate, desta vez em relação a eventuais culpados pela “crise do teatro” (o público?, os atores?), sem, porém, aproveitá-la na construção de uma possível reflexão.

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A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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