Vol. I, nº 1, março de 2008

25 de março de 2008 Editoriais

Somos todos vidraça

Ao lançarmos a QUESTÃO DE CRÍTICA – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais, o fazemos com a intenção de colocar em prática o exercício da crítica. Nos encontramos na faculdade de Teoria do Teatro da UniRio – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e, ao longo do curso, a questão da crítica foi se configurando como uma problemática que desperta nossa curiosidade e estimula nossos estudos. De dentro da universidade, a crítica nos parece indispensável, urgente e intrigante. Fora da universidade, ouvimos que ela é uma instituição falida ou que só funciona como instrumento de divulgação. Não se pode estar falando da mesma crítica. 

A crítica que nos interessa é aquela que, em vez de analisar as obras através de uma estrutura dada de pensamento crítico, um protocolo de abordagem, nos permite desestruturar as formas a priori de pensar os objetos e, a partir disso, articular outros modos de conhecer. A crítica é uma ferramenta da teoria: isso não quer dizer que ela seja instrumento de aplicação de uma doutrina. A relevância da crítica não está no seu poder de proferir sentenças sobre as obras, mas na sua potencialidade para produzir um enervamento na criação de sentidos, para gerar discursos diversos e assumir os dissensos próprios de uma comunicabilidade que as formas de arte e cultura despertam.

Diante destas questões e do fato de não aceitarmos o bordão cínico e redutor que proclama a falência desta atividade vital para a produção artística, nos sentimos provocados a colocar a crítica em jogo. A convivência com o universo acadêmico nos mostra que a teoria é uma prática do pensamento e da escrita e que se há uma lacuna entre a universidade e “o mundo lá fora” a responsabilidade por isso é de quem se interessa pelas pontes. Criamos então este lugar de trânsito, a fim de gerar argumentações co-discursivas com o fazer artístico, de movimentar uma fala entre iguais. A presença de artistas no nosso quadro de colaboradores é um indicativo do nosso desejo de embaçar fronteiras, de sair da atitude paralisante que proclama que cada um deve ficar em seu lugar. Não somos pedra nem vidraça. Ou então somos todos vidraça.

Não nos propomos a colocar em voga um novo padrão. Pelo contrário, queremos investigar os moldes possíveis da crítica, tateando suas formas e limites sem fechar o desenho, sem tentar impor uma última réplica. Esta mesma curiosidade orientou nossa primeira edição a procurar onde está a experimentação na prática, o que nos levou a priorizar espetáculos que se proponham a fazer uma pesquisa de linguagem, embora não seja clara a linha que determina o que é ou não é uma pesquisa.

De qualquer modo, procuramos espetáculos que geram perguntas. Encontramos peças em visita pelo Rio: de Brasília, o festival Resta pouco a dizer, que reúne peças curtas de Samuel Beckett dirigidas pelos Irmãos Guimarães; de São Paulo, o espetáculo-percurso VemVai – Caminho dos mortos, criação da Cia Livre em processo colaborativo com o dramaturgo Newton Moreno, encenada por Cibele Forjaz; além de produções cariocas como Cachorro!, do diretor Vinicius Arneiro – que investiga o universo de Nelson Rodrigues – e o processo do próximo espetáculo do grupo Os Dezequilibrados: Memória afetiva de uma amor esquecido.

Para complementar os estudos sobre as peças, abrimos espaço para outros formatos: a seção processos traz textos sobre espetáculos em fase de preparação, as conversas nos permitem dar voz aos criadores das obras que nos propomos a discutir, enquanto a seção ensaios sugere abordagens mais livres das questões propostas em cada número.

Esta primeira edição é um convite para o debate. A internet nos dá ferramentas para que o diálogo aconteça de fato: todos os textos têm espaço para comentários e nossos e-mails de contato estão à disposição dos leitores. Esperamos que este meio se revele um campo fértil para a crítica, na medida em que possibilita a comprovação de que ela é de interesse de muitos e que sua forma mais rica é a que se aproxima da conversa.

Colaboraram nesta edição:
Alcemar vieira, Carolina Alfradique, Daniel Schenker, Daniele Avila Small, Dinah Cesare, Emanuel Aragão, Henrique Gusmão e Marcio Freitas.

Editores:

Daniele Avila Small, Dinah Cesare e Marcio Freitas.

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Questão de Crítica

A Questão de Crítica – Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais – foi lançada no Rio de Janeiro em março de 2008 como um espaço de reflexão sobre as artes cênicas que tem por objetivo colocar em prática o exercício da crítica. Atualmente com quatro edições por ano, a Questão de Crítica se apresenta como um mecanismo de fomento à discussão teórica sobre teatro e como um lugar de intercâmbio entre artistas e espectadores, proporcionando uma convivência de ideias num espaço de livre acesso.

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